quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Entrevista: Lampião e Maria Bonita



Lampião, durante sua visita a Juazeiro do Norte, para onde se dirigira a convite do padre Cícero Romão, para integrar o Batalhão Patriótico no combate à coluna Prestes, foi entrevistado pelo médico de Crato, Dr. Octacílio Macêdo. Naquela ocasião, como dissemos anteriormente, Lampião estava hospedado no sobrado de João Mendes de Oliveira e, durante a entrevista, foi várias vezes à janela, atirando moedas para o povo que se aglomerava na rua.

Essa entrevista é considerada pelos historiadores como peça fundamental no estudo e no conhecimento do fenômeno do cangaço. Vale a pena transcrever seus trechos mais importantes, atualizando a linguagem e traduzindo os numerosos termos regionais para a linguagem de hoje.

A entrevista teve dois momentos. O primeiro foi travado o seguinte diálogo:

- Que idade tem?
- Vinte e sete anos.

- Há quanto tempo está nesta vida?
- Há nove anos, desde 1917, quando me ajuntei ao grupo do Senhor Pereira.

- Não pretende abandonar a profissão?
A esta pergunta Lampião respondeu com outra:
- Se o senhor estiver em um negócio, e for se dando bem com ele, pensará porventura em abandoná-lo? Pois é exatamente o meu caso. Porque vou me dando bem com este "negócio", ainda não pensei em abandoná-lo.

- Em todo o caso, espera passar a vida toda neste "negócio"?
- Não sei... talvez... preciso porém "trabalhar" ainda uns três anos. Tenho alguns "amigos" que quero visitá-los, o que ainda não fiz, esperando uma oportunidade.

- E depois, que profissão adotará?
- Talvez a de negociante.

- Não se comove a extorquir dinheiro e a "variar" propriedades alheias?
- Oh! mas eu nunca fiz isto. Quando preciso de algum dinheiro, mando pedir "amigavelmente" a alguns camaradas.
Nesta altura chegou o 1° tenente do Batalhão Patriótico de Juazeiro, e chamou Lampião para um particular. De volta avisou-nos o facínora:

- Só continuo a fazer este "depoimento" com ordem do meu superior. (Sic!)

- E quem é seu superior?
- ! !
- Está direito...

Quando voltamos, algumas horas depois, à presença de Lampião, já este se encontrava instalado em casa do historiador brasileiro João Mendes de Oliveira.

Rompida, novamente, a custo, a enorme massa popular que estacionava defronte à casa, penetramos por um portão de ferro, onde veio Lampião ao nosso encontro, dizendo:

- Vamos para o sótão, onde conversaremos melhor.

Subimos uma escadaria de pedra até o sótão. Aí notamos, seguramente, uns quarenta homens de Lampião, uns descansando em redes, outros conversando em grupos; todos, porém, aptos à luta imediata: rifle, cartucheiras, punhais e balas...

- Desejamos um autógrafo seu, Lampião.
- Pois não.

Sentado próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou, embaraçado.

- Que qui escrevo?
- Eu vou ditar.

E Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.

"Juazeiro, 6 de março de 1926
Para... e o Coronel...
Lembrança de EU.
Virgulino Ferreira da Silva.
Vulgo Lampião".
Os outros facínoras observavam-nos, com um misto de simpatia e desconfiança. Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampião, Sabino Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.

-É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos jornais em letras redondas...

A esta afirmativa, uns gozaram o efeito dela, porém parece que não gostaram da coisa.

- Agora, Lampião, pedimos para escrever os nomes dos rapazes de sua maior confiança.
- Pois não. E para não melindrar os demais companheiros, todos me merecem igual confiança, entretanto poderia citar o nome dos companheiros que estão há mais tempo comigo.

E escreveu:

1 - Luiz Pedro
2 - Jurity
3 - Xumbinho
4 - Nuvueiro
5 - Vicente
6 - Jurema

E o estado maior:
1 - Eu, Virgulino Ferreira
2 - Antônio Ferreira
3 - Sabino Gomes.
Passada a lista para nossas mãos fizemos a "chamada" dos cabecilhas fulano, cicrano, etc.

Todos iam explicando a sua origem e os seus feitos. Quando chegou a vez de "Xumbinho", apresentou-se-nos um rapazola, quase preto, sorridente, de 18 anos de idade.

- É verdade, "Xumbinho"! Você, rapaz tão moço, foi incluído por Lampião na lista dos seus melhores homens... Queremos que você nos ofereça uma lembrança...

"Xumbinho" gozou o elogio. Todo humilde, tirou da cartucheira uma bala e nos ofereceu como lembrança...

- No caso de insucesso com a polícia, quem o substituirá como chefe do bando?
- Meu irmão Antônio Ferreira ou Sabino Gomes...

- Os jornais disseram, ultimamente, que o tenente Optato, da polícia pernambucana, tinha entrado em luta com o grupo, correndo a notícia oficial da morte de Lampião.
- É ,o tenente é um "corredor", ele nunca fez a diligência de se encontrar "com nós"; nós é que lhe matemos alguns soldados mais afoitos.

- E o cel. João Nunes, comandante geral da polícia de Pernambuco, que também já esteve no seu encalço?
- Ah, este é um "velho frouxo", pior do que os outros...

Neste momento chegou ao sótão uma "romeira" velha, conduzindo um presente para Lampião. Era um pequeno "registro" e um crucifixo de latão ordinário. "Velinha", apresentando as imagens: "Stá aqui, seu coroné Lampião, que eu truve para vomecê".

- Este santo livra a gente de balas? Só me serve si for santo milagroso.

Depois, respeitosamente, beijou o crucifixo e guardou-o no bolso. Em seguida tirou da carteira um nota de 10$000 e gorgetou a romeira.

- Que importância já distribuiu com o povo do Juazeiro?
- Mais de um conto de réis.

Lampião começou por identificar-se:

- Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva e pertenço à humilde família Ferreira do Riacho de São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai, por ser constantemente perseguido pela família Nogueira e em especial por Zé Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas, no estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição.

- Em Águas Brancas, foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917. Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas para matar, e efetivamente consegui dizimá-las consideravelmente.

Sobre os grupos a que pertenceu:
- Já pertenci ao grupo de Sinhô Pereira, a quem acompanhei durante dois anos. Muito me afeiçoei a este meu chefe, porque é um leal e valente batalhador, tanto que se ele ainda voltasse ao cangaço iria ser seu soldado.

Sobre suas andanças e seus perseguidores:
- Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, e uma pequena parte do Ceará. Com as polícias desses estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é disciplinada e valente, e muito cuidado me tem dado. A da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente. Atualmente existe um contingente da força pernambucana de Nazaré que está praticando as maiores violências, muito se parecendo com a força paraibana.

Referindo-se a seus coiteiros, Lampião esclareceu:

- Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira, de Pajeú, é que tem me protegido, mais ou menos. Todavia, conto por toda parte com bons amigos, que me facilitam tudo e me consideram eficazmente quando me acho muito perseguido pelos governos.

- Se não tivesse de procurar meios para a manutenção dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser descoberto pelas forças que me perseguem.
- De todos meus protetores, só um traiu-me miseravelmente. Foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa. É um homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão.

A respeito de como mantém o grupo:
- Consigo meios para manter meu grupo pedindo recursos aos ricos e tomando à força aos usuários que miseravelmente se negam de prestar-me auxílio.

Se estava rico?
- Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem chegado para as vultuosas despesas do meu pessoal - aquisição de armas, convindo notar que muito tenho gasto, também, com a distribuição de esmolas aos necessitados.

   Arespeito do número de seus combates e de suas vítimas disse:
- Não posso dizer ao certo o número de combates em que já estive envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos. Também não posso informar com segurança o número de vítimas que tombaram sob a pontaria adestrada e certeira de meu rifle. Entretanto, lembro-me perfeitamente que, além dos civis, já matei três oficiais de polícia, sendo um de Pernambuco e dois da Paraíba. Sargentos, cabos e soldados, é impossível guardar na memória o número dos que foram levados para o outro mundo.

Sobre as perseguições e fugas deixou claro:
- Tenho conseguido escapar à tremenda perseguição que me movem os governos, brigando como louco e correndo rápido como vento quando vejo que não posso resistir ao ataque. Além disso, sou muito vigilante, e confio sempre desconfiando, de modo que dificilmente me pegarão de corpo aberto.

- Ainda é de notar que tenho bons amigos por toda parte, e estou sempre avisado do movimento das forças.

- Tenho também excelente serviço de espionagem, dispendioso mas utilíssimo.
comportamento mereceu alguns comentários bastante francos:
- Tenho cometido violências e depredações vingando-me dos que me perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar as famílias, por mais humildes que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.

Perguntado se deseja deixar essa vida:
- Até agora não desejei, abandonar a vida das armas, com a qual já me acostumei e sinto-me bem. Mesmo que assim não sucedesse, não poderia deixá-la, porque os inimigos não se esquecem de mim, e por isso eu não posso e nem devo deixá-los tranquilos. Poderia retirar-me para um lugar longinguo, mas julgo que seria uma covardia, e não quero nunca passar por um covarde.

Sobre a classe da sua simpatia:
- Gosto geralmente de todas as classes. Aprecio de preferência as classes conservadoras - agricultores, fazendeiros, comerciantes, etc., por serem os homens do trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres, porque sou católico. Sou amigo dos telegrafistas, porque alguns já me tem salvo de grandes perigos. Acato os juizes, porque são homens da lei e não atiram em ninguém.

- Só uma classe eu detesto: é a dos soldados, que são meus constantes perseguidores. Reconheço que muitas vezes eles me perseguem porque são sujeitos, e é justamente por isso que ainda poupo alguns quando os encontro fora da luta.

Perguntado sobre o cangaceiro mais valente do nordeste:
- A meu ver o cangaceiro mais valente do nordeste foi Sinhô Pereira. Depois dele, Luiz Padre. Penso que Antonio Silvino foi um covarde, porque se entregou às forças do governo em consequência de um pequeno ferimento. Já recebi ferimentos gravíssimos e nem por isso me entreguei à prisão.

- Conheci muito José Inácio de Barros. Era um homem de planos, e o maior protetor dos cangaceiros do nordeste, em cujo convívio sentia-se feliz.

questionado sobre ferimentos em combate, contou:
QUE
- Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre estes, um na cabeça, do qual só por um milagre escapei. Os meus companheiros também, vários têm sido feridos. Possuímos, porém, no grupo, pessoas habilitadas para tratar dos ferimentos, de modo que sempre somos convenientemente tratados. Por isso, como o senhor vê, estou forte e perfeitamente sadio, sofrendo, raramente, ligeiros ataques reumáticos.

Sobre ter numeroso grupo:
- Desejava andar sempre acompanhado de numeroso grupo. Se não o organizo conforme o meu desejo é porque me faltam recursos materiais para a compra de armamentos e para a manutenção do grupo - roupa, alimentação, etc. Estes que me acompanham é de quarenta e nove homens, todos bem armados e municiados, e muito me custa sustentá-los como sustento. O meu grupo nunca foi muito reduzido, tem variado sempre de quinze a cinquenta homens.

SOBRE PADRE  Cícero Lampião foi bem específico:
- Sempre respeitei e continuo a respeitar o estado do Ceará, porque aqui não tenho inimigos, nunca me fizeram mal, e além disso é o estado do padre Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por esse santo sacerdote, porque é o protetor dos humildes e infelizes, e sobretudo porque há muitos anos protege minhas irmãs, que moram nesta cidade. Tem sido para elas um verdadeiro pai. Convém dizer que eu ainda não conhecia pessoalmente o padre Cícero, pois esta é a primeira vez que venho a Juazeiro.

Em relação ao combate aos revoltosos:
- Tive um combate com os revoltosos da coluna Prestes, entre São Miguel e Alto de Areias. Informado de que eles passavam por ali, e sendo eu um legalista, fui atacá-los, havendo forte tiroteio. Depois de grande luta, e estando com apenas dezoito companheiros, vi-me forçado a recuar, deixando diversos inimigos feridos.

A respeito de sua vinda ao Ceará:
- Vim agora ao Cariri porque desejo prestar meus serviços ao governo da nação. Tenho o intuito de incorporar-me às forças patrióticas do Juazeiro, e com elas oferecer combate aos rebeldes. Tenho observando que, geralmente, as forças legalistas não têm planos estratégicos, e daí os insucessos dos seus combates, que de nada tem valido. Creio que se aceitassem meus serviços e seguissem meus planos, muito poderíamos fazer.

Sobre o futuro Lampião mostrou-se incerto, apesar de ter planos:
- Estou me dando bem no cangaço, e não pretendo abandoná-lo. Não sei se vou passar a vida toda nele. Preciso trabalhar ainda uns três anos. Tenho de visitar alguns amigos, o que não fiz por falta de oportunidade. Depois, talvez me torne um comerciante.

Aqui termina a entrevista concedida por Lampião em Juazeiro.

Na despedida Lampião nos acompanhou até a porta. Pediu nosso cartão de visita e acrescentou:

- Espero contar com os "votos" dos senhores em todo tempo!

- Que dúvida... respondemos.

Como sabemos, Lampião, o "Rei do Cangaço", não viveu o suficiente para ver todos seus planos concretizados.

A morte de Lampião e Maria bonita

Madrugada de 28 de julho de 1938. O sol ainda não tinha nascido quando os estampidos ecoaram na Grota do Angico, na margem sergipana do Rio São Francisco. Depois de uma longa noite de tocaia, 48 soldados da polícia de Alagoas avançaram contra um bando de 35 cangaceiros. Apanhados de surpresa - muitos ainda dormiam -, os bandidos não tiveram chance. Combateram por apenas 15 minutos. Entre os onze mortos, o mais temido personagem que já cruzou os sertões do Nordeste: Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião.
Era o fim da incrível história de um menino que nasceu no sertão pernambucano e se transformou no mais forte símbolo do cangaço. Alto - 1,79 metros -, pele queimada pelo inclemente sol sertanejo, cabelos crespos na altura dos ombros e braços fortes, Lampião era praticamente cego do olho direito e andava manquejando, por conta de um tiro que levou no pé direito. Destemido, comandava invasões a sítios, fazendas e até cidades.
Dinheiro, prataria, animais, jóias e quaisquer objetos de valor eram levados pelo bando.



"Eles ficavam com o suficiente para manter o grupo por alguns dias e dividiam o restante com as famílias pobres do lugar", diz o historiador Anildomá Souza. Essa atitude, no entanto, não era puramente assistencialismo. Dessa forma, Lampião conquistava a simpatia e o apoio das comunidades e ainda conseguia aliados.
Os ataques do rei do cangaço - como Lampião ficou conhecido - às fazendas de cana-de-açúcar levaram produtores e governos estaduais a investir em grupos militares e paramilitar.



Mas as histórias e curiosidades sobre essa fascinante figura continuam vivas.
Uma delas faz referência ao respeito e zelo que Lampião tinha pelos mais velhos e pelos pobres. Conta-se que, certa noite, os cangaceiros nômades pararam para jantar e pernoitar num pequeno sítio - como geralmente faziam. Um dos homens do bando queria comer carne e a dona da casa, uma senhora de mais de 80 anos, tinha preparado um ensopado de galinha. O sujeito saiu e voltou com uma cabra morta nos braços. "Tá aqui. Matei essa cabra. Agora, a senhora pode cozinhar pra mim", disse. A velhinha, chorando, contou que só tinha aquela cabra e que era dela que tirava o leite dos três netos. Sem tirar os olhos do prato, Lampião ordenou um de seu bando: "Pague a cabra da mulher". O outro, contrariado, jogou algumas moedas na mesa: "Isso pra mim é esmola". Ao que Lampião retrucou: "Agora pague a cabra, sujeito". "Mas, Lampião, eu já paguei". "Não. Aquilo, como você disse, era uma esmola. Agora, pague."
Criado com mais sete irmãos - três mulheres e quatro homens -, Lampião sabia ler e escrever, tocava sanfona, fazia poesias, usava perfume francês, costurava e era habilidoso com o couro. "Era ele quem fazia os próprios chapéus e alpercatas", conta Anildomá Souza. Enfeitar roupas, chapéus e até armas com espelhos, moedas de ouro, estrelas e medalhas foi invenção de Lampião. O uso de anéis, luvas e perneiras também. Armas, cantis e acessórios eram transpassados pelo pescoço. Daí o nome cangaço, que vem de canga, peça de madeira utilizada para prender o boi ao carro.



NASCE UM BANDIDO Apesar de ser o maior ícone do Cangaço, Lampião não foi o criador do movimento. Os relatos mais antigos de cangaceiros remontam a meados do século 18, quando José Gomes, conhecido como Cabeleira, aterrorizava os povoados do sertão. Lampião só nasceria quase 130 anos mais tarde, em 1898, no sítio Passagem das Pedras, em Serra Talhada, Pernambuco. Após o assassinato do pai, em 1920, ele e mais dois irmãos resolveram entrar para o bando do cangaceiro Sinhô Pereira.
Duramente perseguido pela polícia, Pereira decidiu sair do Nordeste e deixou o jovem Virgulino Ferreira, então com 24 anos, no comando do grupo. Era o início do lendário Lampião.
Os dezoito anos no cangaço forjaram um homem de personalidade forte
e temido entre todos, mas também trouxeram riqueza a Lampião. No momento da sua morte, levava consigo 5 quilos de ouro e uma quantia em dinheiro equivalente a 600 mil reais. "Apenas no chapéu, ele ostentava 70 peças de ouro puro", ressalta Frederico de Mello. Foi também graças ao cangaço que conheceu seu grande amor: Maria Bonita.
Em 1927, após uma malograda tentativa de invadir a cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, Lampião e seu bando fugiram para a região que fica entre os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Bahia. O objetivo era usar, a favor do grupo, a legislação da época, que proibia a polícia de um estado de agir além de suas fronteiras. Assim, Lampião circulava pelos quatro estados, de acordo com a aproximação das forças policiais.
Numa dessas fugas, foi para o Ra-so da Catarina, na Bahia, região onde a caatinga é uma das mais secas e inóspitas do Brasil. Em suas andanças, chegou ao povoado de Santa Brígida, onde vivia Maria Bonita, a primeira mulher a fazer parte de um grupo de cangaceiros. A novidade abriu espaço para que outras mulheres fossem aceitas no bando e outros casais surgiram, como Corisco e Dadá e Zé Sereno e Sila. Mas nenhum tornou-se tão célebre quanto Lampião e Maria Bonita. Dessa união nasceu Expedita Ferreira, filha única do lendário casal.
Logo que nasceu, foi entregue pelo pai a um casal que já tinha onze filhos. Durante os cinco anos e nove meses que viveu até a morte dos pais, só foi visitada por Lampião e Maria Bonita três vezes. "Eu tinha muito medo das roupas e das armas", conta. "Mas meu pai era carinhoso e sempre me colocava sentada no colo pra conversar comigo", lembra dona Expedita, hoje com 70 anos e vivendo em Aracaju, capital de Sergipe, Estado onde seus pais foram mortos.




CABEÇAS NA ESCADA
Em julho de 1938, após meses perambulando pelo Raso da Catarina, fugindo da polícia, Lampião refugiou-se na Grota do Angico, perto da cidade de Poço Redondo. Ali, no meio da caatinga fechada, entre grandes rochas e cactos, o governador do sertão - como gostava de ser chamado - viveu as últimas horas dos seus 40 anos de vida. Na tentativa de intimidar outros bandos e humilhar o rei do cangaço, Lampião, Maria Bonita e os outros nove integrantes do grupo mortos naquela madrugada foram decapitados e tiveram as cabeças expostas na escadaria da Prefeitura de Piranhas, em Alagoas. Os que conseguiram escapar se renderam mais tarde ou se juntaram a Corisco, o Diabo Loiro, numa tentativa insana de vingança que durou mais dois anos, até a morte deste em Brotas de Macaúbas, na Bahia. Estava decretado o fim do cangaço.
Não são poucas as lendas que nasceram com a morte de Lampião. Uma fala de um tesouro que ele teria deixado enterrado no meio do sertão. Outra conta que Lampião não morreu e vive, com mais de 100 anos, no interior de Pernambuco. Mas a verdade é que, mesmo 65 anos depois da sua morte, Virgolino Ferreira da Silva, aquele menino do sertão nordestino que se transformou no temido Lampião, ainda não foi esquecido. E sua extraordinária história leva a crer que nunca o será.
*Matéria publicada na edição #135 da revista Os Caminhos da Terra.
Na sua forma mais conhecida, o Cangaço surgiu no Século XIX, e terminou em 1940. Segundo alguns relatos e documentos, houve duas formas de Cangaço:
A mais antiga refere-se a grupos de homens armados que eram sustentados por seus chefes, na sua maioria donos de terras ou políticos, como um grupo de defesa. Não eram bandos errantes, pois moravam nas propriedades onde trabalhavam subordinados aos chefes.
A outra refere-se a grupos de homens armados, liderados por um chefe. Mantinham-se errantes, em bandos, sem endereço fixo, vivendo de assaltos, saques, e não se ligando permanentemente a nenhum chefe político ou de família. Estes bandos independentes viviam em luta constante com a polícia, até serem presos e mortos.
Esta é a forma do Cangaço mais conhecida e da qual trata esta exposição, através de imagens que contam, principalmente, histórias do bando de Lampião.
São protagonistas desse tipo de Cangaço:
Cangaceiro - Normalmente agrupados em bandos procuravam manter boas relações com chefes políticos e fazendeiros. Nestas relações eram frequentes a troca de favores e proteção em busca da sobrevivência do grupo.
• Coronel - chefe político local; dono de grandes extensões de terra; autoridade político- econômica; tinha poder de vida e morte sobre a sociedade local; suas relações com os cangaceiros eram circunstanciais; seu apoio dependia do interesse do momento.
Coiteiro - além dos coronéis, compunha o cenário do cangaço o coiteiro, indivíduo que fornecia proteção aos cangaceiros. Arrumava alimentos, fornecia abrigo e informações. O nome coiteiro vem de coito, que significa abrigo. Quanto menor o poder político e financeiro do coiteiro, mais ele era perseguido pelas forças policiais, pois era uma valiosa fonte que poderia revelar o paradeiro de grupos de cangaceiros. Existiram coiteiros influentes: religiosos, políticos e até interventores.
Volantes - forças policiais oficiais, embora houvesse também civis que eram contratados pelo governo para perseguir os cangaceiros.
Cachimbos - perseguiam cangaceiros por vingança e não tinham vínculo com o governo.
Almocreves - transportavam bagagens, bens materiais.
Tangerinos - tocavam boiada à pé.
Vaqueiro - condutor de gado, usava roupa toda feita de couro para proteger-se da vegetação típica da caatinga (espinhos, galhos secos e pontudos).

TÁTICAS DE LUTAS



Lampião foi considerado, até por seus inimigos, o “General do Sertão”. Era grande estrategista, sempre inovando e surpreendendo seus inimigos. Um dos exemplos foi o combate de Serra Grande, no ano de 1926, quando enfrentou enorme força militar equipada com armamento modernos tais como duas metralhadoras e, ainda assim, obteve memorável vitória.

Já no ano seguinte, em ato de enorme ousadia, atacou a cidade de Mossoró. Apesar de ter quinhentos soldados sob o comando do major Moisés Fiqueiredo em seu encalço, conseguiu romper o cerco e salvar seus companheiros. Os cangaceiros, sempre que possível, evitavam combater. Mas quando o confronto era inevitável, tinham como objetivo fazer com que a luta fosse breve. Normalmente Lampião ia ordenando que os companheiros fossem se retirando, deixando alguns para fazer a cobertura. Combinava antecipadamente o local de encontro, e ao chegar ao ponto de reunião dava uma descarga com seu revolver, avisando aos que ainda estavam dispersos. Ou estão se utilizava de um apito que viçava amarrado a uma fina tira de couro e preso na cintura que sustentava o cantil. O trilar desse apito tanto significava o chamado para se agruparem como o aviso de debandada.

São famosas as determinações para as retaguardas, utilizadas em muitos casos. Por exemplo, um grupo de cangaceiros deixava o local da luta e contornava os inimigos, atacando-os pelas costas. Essas táticas jamais falhou. Foi o que fizeram no episódio da morte do “Bigode de Ouro”. O melhor comandante de retaguarda que Lampião teve foi Antônio Ferreira, seu irmão. Alguns vezes, cansados de serem perseguidos e atacados, os cangaceiros invertiam os papéis. Rasteavam e atacavam as volantes que os perseguiam. Como exemplo temos a emboscada preparada por Lampião na fazenda Mandacaru,município de tucano, em 1930, vitimando a volante comandada pelo tenente Geminiano José dos Santos, da Bahia, e pelo sargento José de Miranda Matos, ocasião em que morreram estes dois oficiais e mais sete soldados.

Eram astutos, como quando Lampião no Tanque do Touro, utilizou chocalhos para que os soldados comandados pelo tenente Arsênio pensassem tratar-se de animais que se aproximavam do bebedouro. Ou, para evitar perseguições, cuidavam de esconder os rastros, fazendo-o com tanta mestria que nem o mais atilado dos rastejadores conseguia encontrar qualquer vestígio. Para isso tomavam diversos cuidados. Andavam em fila indiana, com todos pisando na mesma pegada, o que dava a impressão de que havia uma só pessoa. Ou andavam em fila e o último cangaceiro ia apagando os rastros, utilizando galhos folhudos. Sempre que possível andavam sobre as pedras ou dentro de riachos, saindo todos num mesmo local.

Ou, então quando caminhavam em trilhas, pulavam um a um dos lados do caminho, voltando para um ponto pré- determinado, escondendo-se e atacando quem os perseguia. Um assunto bastante polêmico é o tão comentado uso de alpercatas com o calcanhar para a frente. A verdade é que Lampião mandou confeccionar algumas alpercatas assim, com o acalcanhar colocado na parte de frente do calçado, para utilização eventual. Não eram calçados de uso diário. Isso fazia com que os soldados pensassem que estavam indo em direção contrária ao rumo tomado. Não abandonavam mortos ou feridos, deixando-os para trás em raríssimos casos, mesmo assim só se fosse de extrema necessidade. Faziam o possível e o impossível para que tal nunca acontecesse.

Só atiravam quando tinham certeza de que poderiam atingir o inimigo, já que era muito difícil conseguir munição. Dizem que a certeza era tanta que em muitos casos, ao atirar, alguns cangaceiros diziam: “Deus te chama”. Lutavam cantando, pulando e insultando os inimigos, procurando abalar psicologicamente seus adversários. Também tinham o hábito de imitar animais e pássaros. Eram seres humanos aguerridos e valente, mas também astutos e ardilosos e sempre hábeis em aprender novos truques.

CANGAÇO, UM MODO DE VIDA



A pesquisadora Vera Ferreira* revela aspectos da vida dos cangaceiros, seu código de honra, sua religiosidade e a notória capacidade de combate e sobrevivência.

Vale a pena, antes de entrarmos a fundo na história de Lampião, darmos uma passada rápida sobre alguns hábitos dos cangaceiros, quase todos voltados para maior eficiência em seu ofício e para a garantia de sua sobrevivência.

Durante a primeira fase de Lampião, por exemplo, ele aprendeu muito com Sinhô Pereira, e quando mais tarde assumiu o grupo, introduzindo novas técnicas de luta, como rapidez de fogo com o rifle “peado”. Essa operação consistia em amarrar um lenço ou um pedaço de correia na alavanca da arma, de forma que ficasse obstando a ponta do gatilho, exatamente no ponto em que faz desarmar o rifle. Assim preparado, a única demora no uso da arma é para carregar. É só acionar alavanca e as detonações se sucedem, com a velocidade dos tiros dependendo apenas da habilidade de quem executa a manobra, chegando a parecer uma metralhadora. Ninguém conseguia fazer isso com a infernal habilidade de Lampião, seu inventor.

Lampião também introduziu novas atividades, como a exigência de elevadas importâncias para liberação de reféns. Foi também nessa fase inicial que Lampião determinou a divisão do bando em grupos menores que agiam independentemente e em locais distante uns dos outros. Isso trazia muita confusão para quem estivesse perseguindo Lampião, pois nunca se sabia exatamente onde ele estava. Qualquer ato praticado por qualquer um desse grupo era automaticamente atribuído ao Rei do Cangaço estivesse ele presente ou não.

Segundo depoimentos de contemporâneos de Lampião, todos são unânimes ao afirmar que os cangaceiros tinham um rígido comportamento em questões morais, especialmente aqueles dirigidos por Lampião. Eram também extremamente religiosos e muito supersticiosos, parte de sua herança cultural e familiar. Respeitavam a figura dos padres, de forma geral, e de padre Cícero em especial. Em várias ocasiões deixaram de assaltar casas apenas porque tinha imagens do padre Cícero. Um pedido de padre Cícero era uma ordem, e a simples invocação de seu nome salvou muitas vidas.

Quase todos os cangaceiros carregavam patuás e rezas fortes, embrulhadas em saquinhos de pano junto ao corpo acompanhadas de santos de sua devoção. O cangaceiro Balão nos contou que sua mãe o avisara que nunca deveria se casar, para conservar o corpo fechado, e que jamais deveria tomar banho de mar, para não ficar desprotegido. Tais recomendações só foram abandonadas por ele muitos anos após ter deixado a vida cangaceira. Balão tinha também uma história introduzida em seu braço, o que, segundo ele, protegia e mantinha seu corpo fechado. Balão faleceu no dia 13 de junho de 1992, às 9:00 de um sábado, em Itaquaquecetuba, São Paulo.

Na segunda fase de Lampião ele procurou acompanhar o progresso, utilizando-se de facilidades à medida que iam surgindo. Sempre que possível passou a usar carros, lanternas e pilhas, garrafas térmicas e telefones. Deixou-se fotografar e filmar, assim como a seu grupo, pelo árabe Benjamin Abraão Botto. Esta foi uma decisão muito feliz, pois possibilitou o registro histórico do bando, de onde tiramos uma visão muito exata de como viviam, com se trajavam e como se aramavam os grupos por ele comandados. Através dessas fotos e desses filmes temos a oportunidade de conhecer os personagens da história do cangaço.

Ao contrário do que afirmam alguns escritores os cangaceiros bebiam à larga, às vazes com conseqüências fatais, e também fumavam. Entres os pertences de Lampião havia uma pequena peça feita de couro, onde ele levava fumo picado e papel de seda para confecção de cigarros, que ele mesmo fazia com habilidade e perfeição.

Maria Bonita e LampiãoAs mulheres, a partir de quando passaram a integrar os grupos de cangaceiros, seguiam o mesmo padrão geral dos homens. Os bailes passaram, então, a contar com sua presença, além de outras “damas” convocadas para fazer companhia aos solteiros. Lampião ao final dos bailes, dava uma certa importância ás “damas” para comprarem perfume, isso para compensar o “mau cheiro” dos cangaceiros. Era o pagamento pelo seu “trabalho”.

Como em todas comunidade, aconteceram casos de infidelidade, embora em raras ocasiões. Estranhamente, as mulheres sempre pagaram a traição com sua próprias vidas. Tivemos os exemplos de Lídia, mulher de Zé Baiano, Lili, de Moita Brava, Cristina de Português, entre outros. Aos homens infiéis nada acontecia. Lampião tinha também o hábito de utilizar bilhetes para solicitar “contribuições espontâneas”. Se era atendido não havia conseqüências. Em caso de negativa ou de resposta atrevidas a conduta era outra... tomavam-nas à força. Parte dessas “contribuições”, algumas vezes, era utilizada para ajudar famílias necessitadas.  

Quem Foi Lampião e Maria Bonita?

Foi o inimigo número um da polícia nordestina, sua vida no crime teve inicio em 1920, para vingar a morte do pai. Roubava, cobrava tributos de latifundiários e assassinava por vingança ou por encomenda.
Sua vida de crime teve 18 anos de duração. Quando passava por Santa Brígida (divisa entre Baia e Sergipe), onde morava Maria Bonita, foi amor à primeira vista da parte dele.
Ela já o admirava, devido a suas façanhas, acabou seguindo-o dias depois. Eles eram nômades, sempre acolhidos pelos donos de fazenda, que zelavam pela segurança do bando.
Em 1938 teve fim a vida de Crime de Lampião e Maria Bonita, eles e sua quadrilha caíram em uma emboscada, ambos foram assassinados juntamente com seu bando. A cabeça de Virgulino Ferreira Silva, o Rei do Cangaço (Lampião) foi decepada, e exposta em praça pública.

Maria Bonita: a primeira mulher cangaceira

Maria Gomes de Oliveira, mais conhecida pelo apelido de Maria Bonita, foi uma integrante de um grupo de cangaceiros, liderado por Lampião (rei do Cangaço). Foi mulher, embora não casada oficialmente, de Lampião. É considerada a primeira mulher cangaceira do Brasil.
Vida de Maria Bonita 
Maria Bonita nasceu no dia 8 de março de 1911 no município de Paulo Afonso (norte do estado da Bahia). Viveu sua infância e adolescência no sítio dos pais. Adulta, resolveu aceitar o convite de Lampião para fazer parte de seu bando de cangaceiros. Teve coragem e resistência para enfrentar todos os tipos de dificuldades da vida no cangaço, durante oito anos. Maria Bonita e Lampião tiveram apenas uma filha, Expedita. Maria Bonita morreu na cidade de Poço Redondo (Sergipe) degolada, no dia 28 de julho de 1938, após ser capturada por policiais da volante junto com Lampião e outros cangaceiros do  bando.

A história de Lampião



Virgolino Ferreira da Silva era o terceiro dos muitos filhos de José Ferreira da Silva e de Maria Lopes. Nasceu em 1898, como consta em sua certidão de batismo, e não em 1897, como citado de várias obras.

A família Ferreira formou-se na seguinte sequência, por datas de nascimento:

1895 - Antonio Ferreira dos Santos
1896 - Livino Ferreira da Silva
1898 - Virgolino Ferreira da Silva
???? - Virtuosa Ferreira
1902 - João Ferreira dos Santos
???? - Angélica Ferreira
1908 - Ezequiel Ferreira
1910 - Maria Ferreira (conhecida como Mocinha)
1912 - Anália Ferreira


Todos os filhos do casal nasceram no sítio Passagem das Pedras, pedaço de terras desmembrado da fazenda Ingazeira, às margens do Riacho São Domingos, no município de Vila Bela, atualmente Serra Talhada, no Estado de Pernambuco.

Esse sítio ficava a uns 200 metros da casa de dona Jacosa Vieira do Nascimento e Manoel Pedro Lopes, avós maternos de Virgolino. Por causa dessa proximidade Virgolino residiu com eles durante grande parte de sua infância. Seus avós paternos eram Antonio Ferreira dos Santos Barros e Maria Francisca da Chaga, que residiam no sítio Baixa Verde, na região de Triunfo, em Pernambuco.

A infância de Virgolino transcorreu normalmente, em nada diferente das outras crianças que com ele conviviam. Todas as informações disponíveis levam a crer que as brincadeiras de Virgolino com seus irmãos e amigos de infância eram nadar no Riacho São Domingos e atirar com o bodoque,
um arco para bolas de barro. Também brincavam de cangaceiros e volantes, como todos os outros meninos da época, imitando, na fantasia, a realidade do que viam à sua volta, "enfrentando-se" na caatinga. Em outras palavras, brincavam de "mocinho e bandido", como faziam as crianças nas outras regiões mais desenvolvidas do país.

Foi alfabetizado por Domingos Soriano e Justino de Nenéu, juntamente com outros meninos. Freqüentou as aulas por apenas três meses, tempo suficiente para que aprendesse as primeiras letras e pudesse, pelo menos, escrever e responder cartas, o que já era mais instrução do que muitos conseguiam durante toda sua vida, naquelas circunstâncias.

O sustento da família vinha do criatório e da roça em que trabalhavam seu pai e os irmãos mais velhos, e da almocrevaria. O trabalho de almocreve estava mais a cargo de Livino e de Virgolino, e consistia em transportar mercadorias de terceiros no lombo de uma tropa de burros de propriedade da família.

Os trajetos variavam bastante, mas de forma geral iniciavam-se no ponto final da Great Western, estrada de ferro que ligava Recife a Rio Branco, hoje chamada Arcoverde, em Pernambuco. Ali recolhiam as mercadorias a serem distribuídas pelos locais designados por seus contratantes, em diversas vilas e lugarejos do sertão. Esse conhecimento precoce dos caminhos do sertão foi, sem dúvida, muito valioso para o cangaceiro Lampião, alguns anos mais tarde.

Por duas vezes Virgolino acompanhou a tropa até o sertão da Bahia, mais exatamente até as cidades de Uauá e Monte Santo. Nesta última havia um depósito de peles de caprinos que eram, de tempos em tempos, enviadas pelo responsável, Salustiano de Andrade, para a Pedra de Delmiro, em Alagoas, para processamento e exportação para a Europa.

Esta informação nos foi prestada por dona Maria Corrêa, residente em Monte Santo, Bahia. Dona Maria Corrêa, mais conhecida como Maria do Lúcio, exercia a profissão de parteira e declarou-nos que, quando jovem, conheceu Virgolino Ferreira durante uma de suas visitas ao depósito de peles.

Como curiosidade e melhor identificação, dona Maria Corrêa é a parteira que foi condecorada pelo então presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira ao completar mil partos realizados com sucesso.

É bom frisar que as peles caprinas não eram compradas pelos Ferreira, apenas transportadas por eles, num serviço semelhante ao do frete rodoviário dos dias atuais.

Em quase todas suas viagens os irmãos tinham a companhia de Zé Dandão, indivíduo que conviveu durante muito tempo com a família Ferreira.

Nossas pesquisas na região comprovaram, através de diversos depoimentos pessoais, que José Ferreira, o patriarca da família, era pessoa pacata, trabalhadora, ordeira e de ótima índole, do tipo que evita ao máximo qualquer desentendimento.

Esses depoimentos positivos merecem especial atenção e ainda maior credibilidade por terem sido prestados por pessoas inimigas da família. Apesar da inimizade preferiram contar a verdade a denegrir gratuitamente o nome de José Ferreira.

A mãe de Virgolino já era um pouco diferente, mais realista em relação ao ambiente em que viviam. De maneira geral todos os entrevistados declararam que José Ferreira desarmava os filhos na porta da frente e dona Maria os armava na porta de trás dizendo:

- Filho meu não é para ser guardado no caritó. Não criei filho para ser desmoralizado. 

O que foi o cangaço?

O cangaço foi um fenômeno ocorrido no nordeste brasileiro no século XIX e nas primeiras décadas no século XX, que tem suas origens em questões sociais e fundiárias da região. Caracteriza-se por ações violentas de grupos ou indivíduos isolados, que assaltavam fazendas, seqüestravam os "coronéis" (grandes fazendeiros) e saqueavam comboios e armazéns.

Os "bandoleiros" não tinham moradia fixa e viviam perambulando pelo sertão, praticando os crimes, fugindo se escondendo.

O Cangaço pode ser dividido em três subgrupos: os que prestavam serviços esporádicos para os latifundiários; os "políticos", expressão de poder dos grandes fazendeiros; e os cangaceiros independentes, com características de banditismo.

Os cangaceiros conheciam a caatinga e o território nordestino muito bem. Por isso, era difícil de serem capturados pelas autoridades. Eles conheciam as rotas de fuga em lugares de difícil acesso. Virgulino Ferreira da Silva, o "Lampião", denominado o "Rei do Cangaço", atuou durante as décadas de 1920 e 1930 em praticamente todo Nordeste. Lampião foi morto em 28 de julho de 1938, na localidade de Angicos, em Sergipe, vítima de uma emboscada, juntamente com sua mulher, Maria Bonita.

Lampião, Rei do cangaço

   
Sua historia merece um compendio,nunca um artigo.Sua rica biografia,envolta no manto do mistério,deve ser estudada,vasculhada,assunto de muitos seminários e discussões;como chegar á verdade,através do mito?
Conta-se que era um adolescente pobre que viu os pais serem barbaramente assassinados pelos jagunços de um fazendeiro que estava de olho,nas terras de sua família.O certo é que sobreviveu,criou um bando e se tornou o “governador do sertão”.Conheci Dadá,a mulher de Corisco,”o diabo louro” e homem de confiança de Lampião,que morreu numa emboscada em Miguel Calmon,interior as Bahia. Dadá  levou um tiro na perna,mas escapou;estive,ainda criança,com meu pai,na sua humilde casinha da Liberdade,onde sobrevivia costurando para fora.Ela afirmava,ser o Capitão Virgulino,homem afável,festeiro,amigo dos seus amigos e terror dos seus inimigos;não perdoava traição.Seu forte era aliciar “coiteiros”,pessoas que o avisavam do avanço dos “macacos”,soldados da policia,que perseguiam seu bando.Não escolhia classe social;o coiteiro podia ser um pobre vaqueiro ou um poderoso fazendeiro.Se lhes fossem fieis,tinham tudo;a traição equivalia a morte violenta e sofrida e perda dos bens.Certa vez,tocou fogo em 18 fazendas do Coronel Petronilo  Alcantara Reis,um dos seus coiteiros,após descobrir,por acaso,provas da deslealdade do cabra;um bilhete onde o coronel fornecia á policia,o paradeiro do bando.Chegando á Fazenda Curralinho,Lampião é surpreendido pela milícia  do tenente Miranda,o Bigode de Ouro,e,entre os objetos encontrados nos pertences do tenente,encontra o bilhete fatal do coiteiro.
O fato é que os cangaceiros aterrorizaram o Nordeste,invadiram casas,fazendas,nas cadeias,soltavam os presos e prendiam os soldados,estupravam,roubavam,matavam ,           sangravam  sem dó nem piedade.SegundoDadá,como a milícia usava o mesmo uniforme dos cangaceiros,muita coisa malfeita atribuída ao bando,era culpa da milícia,que punha a culpa em Lampião.Os famosos bailes que o bando promovia,nas vilas e cidades,onde-dizia-se-Lampião fazia as pessoas dançarem sem roupa,era verdade.
Lampião desceu a serra,
Deu um baile em Cajazeira,
Botou as moças donzela,
Prá cantá muié rendeira.

Os estupros eram constantes até Lampião ser atingido pela flecha de Cupido.
Maria Déa,ou Maria Bonita,uma bela morena  baiana,casada com um sapateiro, largou tudo para acompanhar seu amor.Conheceram-se na casa dos pais dela,na Fazenda Malhada da Caiçara,em Jeremoabo,município da Bahia.Tiveram uma filha,Expedita Ferreira Nunes,hoje ,aos 75 anos,morando em Sergipe;e,uma neta,Vera,jornalista e escritora,que expõe,frequentemente,para o público,objetos pessoais do avô.Não sei se,entre eles.estará o famoso punhal de 60 cm,que sangrou muita gente;ou o chapéu de cangaceiro,um dos símbolos do sertão;ou o bornal,que o cangaceiro levava a tiracolo,uma especie de “nécessaire”,das brenhas;ou as alpercatas de couro cru.
O certo é que nosso “Robin Hood”caboclo fez historia e,ainda hoje,tem desafetos e admiradores.Morreu no Angico,vítima da traição de um coiteiro.Aterrorizou os sertanejos,M
inha mãe,jovem professorinha da roça,nos anos trinta,dormiu uma semana nos matos,guardada pelos filhos homens do meu avô e seus agregados,porque se dizia  que o bando desceria a Serra do Tombador,rumo á Queimadas,e,era preciso resguardar a donzelice das moças, a professora e as filhas do meu avô.Pois,o lema do bando com as moças,era:
Chorou por mim,não fica,
Soluçou ,vai no borná(bornal).