quinta-feira, 26 de agosto de 2010

CANGAÇO, UM MODO DE VIDA



A pesquisadora Vera Ferreira* revela aspectos da vida dos cangaceiros, seu código de honra, sua religiosidade e a notória capacidade de combate e sobrevivência.

Vale a pena, antes de entrarmos a fundo na história de Lampião, darmos uma passada rápida sobre alguns hábitos dos cangaceiros, quase todos voltados para maior eficiência em seu ofício e para a garantia de sua sobrevivência.

Durante a primeira fase de Lampião, por exemplo, ele aprendeu muito com Sinhô Pereira, e quando mais tarde assumiu o grupo, introduzindo novas técnicas de luta, como rapidez de fogo com o rifle “peado”. Essa operação consistia em amarrar um lenço ou um pedaço de correia na alavanca da arma, de forma que ficasse obstando a ponta do gatilho, exatamente no ponto em que faz desarmar o rifle. Assim preparado, a única demora no uso da arma é para carregar. É só acionar alavanca e as detonações se sucedem, com a velocidade dos tiros dependendo apenas da habilidade de quem executa a manobra, chegando a parecer uma metralhadora. Ninguém conseguia fazer isso com a infernal habilidade de Lampião, seu inventor.

Lampião também introduziu novas atividades, como a exigência de elevadas importâncias para liberação de reféns. Foi também nessa fase inicial que Lampião determinou a divisão do bando em grupos menores que agiam independentemente e em locais distante uns dos outros. Isso trazia muita confusão para quem estivesse perseguindo Lampião, pois nunca se sabia exatamente onde ele estava. Qualquer ato praticado por qualquer um desse grupo era automaticamente atribuído ao Rei do Cangaço estivesse ele presente ou não.

Segundo depoimentos de contemporâneos de Lampião, todos são unânimes ao afirmar que os cangaceiros tinham um rígido comportamento em questões morais, especialmente aqueles dirigidos por Lampião. Eram também extremamente religiosos e muito supersticiosos, parte de sua herança cultural e familiar. Respeitavam a figura dos padres, de forma geral, e de padre Cícero em especial. Em várias ocasiões deixaram de assaltar casas apenas porque tinha imagens do padre Cícero. Um pedido de padre Cícero era uma ordem, e a simples invocação de seu nome salvou muitas vidas.

Quase todos os cangaceiros carregavam patuás e rezas fortes, embrulhadas em saquinhos de pano junto ao corpo acompanhadas de santos de sua devoção. O cangaceiro Balão nos contou que sua mãe o avisara que nunca deveria se casar, para conservar o corpo fechado, e que jamais deveria tomar banho de mar, para não ficar desprotegido. Tais recomendações só foram abandonadas por ele muitos anos após ter deixado a vida cangaceira. Balão tinha também uma história introduzida em seu braço, o que, segundo ele, protegia e mantinha seu corpo fechado. Balão faleceu no dia 13 de junho de 1992, às 9:00 de um sábado, em Itaquaquecetuba, São Paulo.

Na segunda fase de Lampião ele procurou acompanhar o progresso, utilizando-se de facilidades à medida que iam surgindo. Sempre que possível passou a usar carros, lanternas e pilhas, garrafas térmicas e telefones. Deixou-se fotografar e filmar, assim como a seu grupo, pelo árabe Benjamin Abraão Botto. Esta foi uma decisão muito feliz, pois possibilitou o registro histórico do bando, de onde tiramos uma visão muito exata de como viviam, com se trajavam e como se aramavam os grupos por ele comandados. Através dessas fotos e desses filmes temos a oportunidade de conhecer os personagens da história do cangaço.

Ao contrário do que afirmam alguns escritores os cangaceiros bebiam à larga, às vazes com conseqüências fatais, e também fumavam. Entres os pertences de Lampião havia uma pequena peça feita de couro, onde ele levava fumo picado e papel de seda para confecção de cigarros, que ele mesmo fazia com habilidade e perfeição.

Maria Bonita e LampiãoAs mulheres, a partir de quando passaram a integrar os grupos de cangaceiros, seguiam o mesmo padrão geral dos homens. Os bailes passaram, então, a contar com sua presença, além de outras “damas” convocadas para fazer companhia aos solteiros. Lampião ao final dos bailes, dava uma certa importância ás “damas” para comprarem perfume, isso para compensar o “mau cheiro” dos cangaceiros. Era o pagamento pelo seu “trabalho”.

Como em todas comunidade, aconteceram casos de infidelidade, embora em raras ocasiões. Estranhamente, as mulheres sempre pagaram a traição com sua próprias vidas. Tivemos os exemplos de Lídia, mulher de Zé Baiano, Lili, de Moita Brava, Cristina de Português, entre outros. Aos homens infiéis nada acontecia. Lampião tinha também o hábito de utilizar bilhetes para solicitar “contribuições espontâneas”. Se era atendido não havia conseqüências. Em caso de negativa ou de resposta atrevidas a conduta era outra... tomavam-nas à força. Parte dessas “contribuições”, algumas vezes, era utilizada para ajudar famílias necessitadas.  

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